Minicontos


Diário de Angélica                                                                 

Hoje é 1º de junho e ele olhou pra mim. Fui à escola um pouco mais cedo que o de costume. Encontrei-o na fila do elevador. Ele olhou pra mim, percebendo que eu também o olhava. Desviei meus olhos dos dele. Que raiva! Devia ter esperado, talvez me desse um sorriso e isso seria um sinal. Entramos juntos no elevador. Ele disse oi, e nada respondi. Ele perguntou se eu estudava no 10º andar e eu disse ham-ram. E perguntou se eu gostava, respondi ham-ram. Então me disse tchau e eu nada respondi. Quase morri por não ter conseguido sustentar uma conversa com ele. Na verdade não consegui dar uma palavra que não fosse monossilábica. Mas amanhã tenho certeza que vou fazer diferente. Quando ele me perguntar se eu gosto da escola, responderei que gosto muito. Quando me perguntar se estudo no10º andar, vou dizer que sim, desde o início do ano. E quando disser tchau, vou falar que foi um prazer tê-lo conhecido.

Hoje é 2 de junho. Fui a escola mais cedo ainda. Encontrei-o na fila do elevador. Entramos juntos. Ele me perguntou se eu era da cidade. Respondi Han-ram.

Por Raphael Ramires 
Decadência                          


Alberto e Dalva eram recém-casados. Alberto trabalhava em um escritório de contabilidade e Dalva cuidava da casa. Alberto chegava em casa com doces e revistas de moda para agradar a esposa. E todos os dias ela esperava ansiosa pelas surpresas do marido.
 E o casamento ia progredindo... Alberto chegava em casa com revistas. Dalva as lia e agradecia por ter sido lembrada.
E o casamento ia progredindo... Alberto chegava em casa.

Por Raphae Ramires
Vida Provinciana                                    

O pequeno Eduardo era ainda estudante primário. Tinha muitos amigos, uma mãe católica e um pai ausente. A rotina era provinciana: escola, casa, campinho, casa. Aos sábados tinha feirinha na praça; e aos domingos, missa às 19:30. Era um menino feliz: estudava, brincava e sonhava. Ganhava presentes no aniverssário e no Natal. Na Páscoa, ovos mesclados de amendoin e ameixas. Conheceu um caminho diverso para chegar a escola mais rápido. E aquele era o seu segredo. Não dividiu com ninguém. Ou melhor, dividiu com Antônio, seu amigo de classe. Burro feito porta, mas com coração de mãe. Os estudantes chegavam sempre mais cedo a escola. Sobrava-lhes tempo. Sobrava-lhes tempo. Esse foi o grande problema de suas vidas

 Por Raphael Ramires 
Pela porta dos fundos


Entrou sem acender a luz. Derrubou café, manchou a toalha da mesa. Levou-me as maçãs e o leite de vaca fresquinho do dia. Saiu sem fechar a porta. Pisou-me as flores do jardim, sujou o chão com a lama de seus sapatos. E todos aqueles vestígios que quebravam a rotina fria de minha solidão não me causavam espanto. Ao contrário, sentia pela primeira vez alguma presença que não fosse as lúgubres notas do velho piano Frittz Dobbert. Não havia ninguém. Mas sorria e agradecia pela furtiva passagem daquele visitante. Que me levara o leite e as maçãs, me pisara as flores e me deixara uma lembrança.

Por Raphael Ramires


Vingança                                                      

Elzébia, uma menininha de 6 anos, colhia flores nos jardins das casas por onde passava todos os dias enquanto voltava da escola. Revoltada com a audácia da menina, dona Joana resolveu plantar uma roseira em frente a sua casa. E quando a roseira cresceu, enchendo-se de vigorosos espinhos que se destacavam da jardineira para fora das grades de seu muro, Elsébia ganhava um prêmio na feira de ciências da escola por haver inventado um insólito par de luvas de couro com produtos de reformas de sofás.


Por Raphael Ramires


 A volta por cima                                                      

Era  feio, desengonçado, míope, mas extremamente inteligente. Quando criança,foi rejeitado pelos colegas de colégio. Na adolescência, não teve namoradas. Hoje faz projetos científicos, faz dinheiro e, pasmem, aprendeu a fazer amigos.


Por Raphael Ramires

Inocência e Devassidão

Saíram a passear pela penumbra a inocência e a devassidão. A inocência em seus tons de negro e púrpura, fora proibida de transitar pela noite, enquanto a devassidão se dera à escuridão das noites solitárias. No dia em que se renderam a suas vontades, foi-se a inocência perambular pela noite, foi-se a devassidão transcorrer os dias. E nesse triste momento, aniquilou-se a essência de seus títulos. Perdeu-se a inocência na escuridão, encontrou-se a devassidão à luz do dia.


Raphael Ramires